Leitura e Análise de Texto
O processo de criação da obra Gone Wild Regina Silveira [...] Realmente eu me senti bastante pressionada a responder àquela solicitação. Quando eu cheguei ao museu a reforma não estava concluída. O que eu pude fazer foi fotografar o hall de entrada de longe. [...] Eu pude fotografar os operários fazendo aquilo que entraria em vigor, que era um chão onde havia um padrão de granito claro-escuro com as manchas de um cachorro dálmata. Eu pude estudar bastante a obra de Venturi quando me convidaram para fazer esta colaboração, este diálogo, essa interpretação, que eu acho muito honrosa, porque admiro particularmente este arquiteto. Então, fui chamada porque o curador viu a afinidade entre a minha poética e a poética do arquiteto. De fato, tem muitas pontes possíveis. Mas eu fiquei muito atraída pelo padrão, que é uma repetição das manchas de cachorro dálmata. De alguma maneira estavam repetidas nos tapumes que tampavam a obra do edifício e estavam no hall fazendo essa incrustação no chão. [...] Eu comecei a olhar as minhas próprias fotografias, que eu revelara, para ver que ideia eu podia ter. E, finalmente, a ideia brotou assim, num momento. [...] De noite, eu não sabia se eu estava ainda acordada ou já estava dormindo porque tem essa diferença de horário muito grande com a Califórnia. E o que me veio foi assim, um momento de clareza [...]. Veio com palavras, veio com palavras em inglês, animals crossing, os animais cruzando o espaço; porque esse chão tinha uma qualidade animal, é muito orgânico, pareciam pegadas, além disso, era uma entrada do museu e essa ideia da passagem, do fluxo, era forte. Então, sempre que eu olhava aquilo pareciam que eram gigantescos animais passando pelo hall. [...] Então, o que eu quis fazer foi, em primeiro lugar, criar uma situação de passagem, na entrada do museu. Criar nas paredes, refigurar o animal do chão. Primeiro eu pensei que ele devia se tornar mais selvagem, eu queria um animal selvagem que caçasse o cachorro. Em seguida pensei patas de novo, porque pareciam marcas de patas descendo as paredes. Pensei em leão, pensei em tigre, pensei em algo caçando aquele cachorro dálmata. Finalmente essa ideia foi depois se refinando e eu, mais tarde, pude entender que queria marcas de um animal mais selvagem, mais feroz e, para tanto, tinha que ter unhas.na verdade eu tinha que procurar a versão selvagem do próprio dálmata, e aí surgiu o lobo, surgiu o coiote. Toda essa elaboração foi muito rápida, como um filme que passa rápido, então eu já sabia, quando eu pude ter as fotografias, eu já pude desenhar sobre as fotografias aquilo que eu queria que esta instalação fosse. E ficou bem parecida com aquilo do primeiro momento. Eu entendi que eu queria usar a ideia da passagem e daí o processo começou a ser elaborado. Eu comprei livrinhos para caça: como os animais andam, como deixam vestígios, enfim, as diferentes marcas das patas. [...] Todas essas coisas eu fui olhando para nutrir o meu projeto e cada uma despertava outras ideias. Eu vi também que existem diferenças entre o trote e o galope. Finalmente, eu estabeleci que eu queria fazer um animal selvagem. Esse animal selvagem terminou sendo um coiote, porque um coiote tem toda uma importância e uma presença no lendário americano, e no lendário indígena também. Ele é o enganador, ele é o mágico, o coiote. Ele ao mesmo tempo impregna toda uma literatura. O coiote também, naquela área da fronteira onde está San Diego, é a pessoa que faz os papéis para os mexicanos cruzarem ilegalmente a fronteira. Achei que isso era bastante provocativo pelo fato de ser uma entrada de museu, ser uma passagem. Esse museu está localizado naquela área ali, também em frente ao mar. Tudo levava àquela ideia que eu pude depois explorar, onde apareceram esses dados assim de tempo. Esta é a minha primeira instalação que o tempo, os rastros, os índices com os quais eu sempre trabalho são índices de algo que já passou, algo que passou por ali e deixou aquela marca. Então tudo isso agiu na minha imaginação para eu poder começar os desenhos preparatórios, que fiz às montanhas! Ao voltar para o Brasil, eu elaborei todos esses pensamentos. Eu disse que já tinha tido a ideia, que eu estava contente, que eu chequei, fotografei, olhei e dava certo, eu pude visualizar isto, mas eu precisava afinar tudo. E esse afinar foi longo, demorou um mês e tanto ou mais, dois meses, de muitos desenhos. [...] Depois desses desenhos, eu planejei, eu fiz simulações já em cima de fotografias. [...] Não sabia como produzir isto, que era uma coisa que tinha que ter uma regularidade que o meu desenho, sozinho, não ia conseguir. Os dados que eu tive para trabalhar – e que para mim são importantes porque não são limitantes, mas são provocativos, dão parâmetros – são as plantas. [...] estava testando tipos de patas, inclinações, compressão, enfim, uma porção de coisas... Cada desenho desses levava dias fazendo. Havia um momento em que eu passava para um ajudante continuar, era penoso. Finalmente eu pude regularizar todos através de um programa de computador, e chegar à malha final onde eu coloquei, na mesma inclinação, a sequência de patas [...]. Eu tive que fazer isso no tamanho do espaço, ou seja, com quatro metros e meio por vinte metros. Eu fiz isso num estúdio, com tiras de papel, como se fosse papel de parede. Foi o que eu levei para lá. [...]
In: MARTINS, Mirian Celeste. Arte – o seu encantamento e o seu trabalho na educação de educadores: a celebração de metamorfoses da cigarra e da formiga. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. p. 274- 279. [Em entrevista concedida à autora.]
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